sexta-feira, 20 de julho de 2012

Stuart Hall e o Pensamento Diaspórico



Stuart Hall é um pesquisador jamaicano, nascido em 1932 na cidade de Kingston. Filho mais jovem de uma família de classe média de ideais imperialistas e racistas. Hall adquiriu, desde jovem, consciência "da condição da cultura colonial, de como a gente sobrevive à experiência de dependencia colonial, de classe e cor, e de como isso pode destruir você, subjetivamente". Partindo de sua experiência pessoal o pesquisador desenvolve conceitos como os de identidade,  cultura e tradição na modernidade.  Foi diretor do Center for Contemporany Cultural Studies (CCS) da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, nos anos 70. Sucessor de Raymond Williams no posto. Posteriormente, assumiu os Estudos Culturais como projeto institucional na Open University.
Para conhecer melhor esse pensador e as motivações de seu trabalho, sugiro a leitura da obra de onde extraio alguns conceitos básicos:
Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Trad. Adelaine La Guarda Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
Teoria X Ideologia

O pensamento tem um peso específico, pois o discurso teórico é uma prática cultural crítica, que se faz com a pretensão de intervir em uma discussão mais ampla; por natureza, a teoria tem esse potencial de intervenção. Quando revê a questão da ideologia Hall diz: “Também quero colocá-la ( a ideologia) enquanto problema geral – um problema para a teoria porque também é um problema para a política e a estratégia.”(PI).(p.13) A teoria é uma tentativa de solucionar problemas políticos e estratégicos; não uma elaboração a partir deles.A teoria é uma tentativa  de saber algo que, por sua vez, leva a um novo ponto de partida em um processo sempre inacabado de indagação e descoberta; não é um sistema que precisa ser acabado, útil na produção do conhecimento. (p.13-14)

Pensamento Diáspórico

A partir do conceito de nação imaginada de Benedict Anderson para quem as nações não são apenas entidades políticas soberanas, pois dentro delas articulam-se tensões entre o individual e o coletivo, Hall levanta as questões: “Essa questão é central, não apenas para seus povos, mas para as artes e culturas que produzem, onde um certo “sujeito imaginado” está sempre em jogo. Onde começam e onde terminam suas fronteiras, quando regionalmente cada uma é cultural e historicamente tão próxima de seus vizinhos e tantos vivem a milhares de quilômentros de casa? Como imaginar sua relação com a terra de origem, a natureza de seu “pertencimento” no Caribe à luz dessa experiência diaspórica?”(p.26)

Diáspora: termo que inicialmente refere-se à dispersão judaica devido à perseguição política e étnica. Utilizado por Hall para definir também a dispersão dos negros caribenhos, cuja metáfora de principal correspondência encontra-se no Velho Testamento, na libertação do povo judeu por Moisés

“Os entrevistados de Mary Chamberlain também falam eloquentemente da dificuldade sentida por muitos dos que retornam em se religar as suas sociedades de origem. Muitos sentem falta dos ritmos de vida cosmopolita com os quais tinham se aclimarado. Muitos sentem que a “terra” tornou-se irreconhecível. Em contrapartida, são vistos como se os elos naturais espontâneos que antes possuíam tivessem sido interrompidos por suas experiências diaspóricas. Sentem-se felizes por estar em casa. Mas a história, de alguma forma, interveio irrevogavelmente.”(p.26)

“Não podemos jamais ir para casa, voltar à cena primária enquanto momento esquecido de nossos começos e “autenticidade”, pois há sempre algo no meio. Não podemos retornar a uma unidade passada, pois só podemos conhecer o passado, a memória, o inconsciente através de seus efeitos, isto é, quando este é trazido para dentro da linguagem e de lá embarcamos numa (interminável) viagem. Diante da “floresta de signos” (Baudelaire), nos encontramos sempre na encruzilhada, com nossas histórias e memórias (“relíquias secularizadas”, como Benjamin, o colecionador, as descreve) ao mesmo tempo que esquadrinhamos a constelação cheia de tensão que se estende diante de nós, buscando a linguagem, o estilo, que vai dominar o movimento e dar-lhe forma. Talvez seja mais uma questão de buscar estar em casa aqui, no único momento e contexto que temos...”(p.27)

Identidade Cultural

Em uma concepção fechada de pátria, tribo e diáspora: “Possuir uma identidade cultural nesse sentido é estar primordialmente em contato com um núcleo imutável e atemporal, ligando ao passado o futuro e o presente numa linha ininterrupta. Esse cordão umbilical é o que chamamos de tradição, cujo teste é o de sua fidelidade às origens, sua presença consciente diante de si mesma, sua “autenticidade”. É claro, um mito – com todo o potencial real dos nossos mitos dominantes de moldar nossos imaginários, influenciar nossas ações, conferir significado às nossas vidas e dar sentido à nossa história.”(p.29)

PS: Conceito baseado sobre uma concepção binária de diferença, fundado sobre a construção de uma fronteira de exclusão  e depende da construção de um “outro” e de uma oposição rígida entre o dentro e o fora.

“...é importante ver essa perspectiva diaspórica da cultura como uma subversão dos modelos culturais tradicionais orientados para nação. Como outros processos globalizantes, a globalização cultural é desterritorializante em seus efeitos. Suas compreensões  espaço-temporais, impulsionadas pelas novas tecnologias, afrouxam os laços entre a cultura e o lugar. Disjunturas patentes de tempo e espaço são abruptamente convocadas, sem obliterar seus ritmos e tempos diferenciais. As culturas, é claro, têm “seus locais”. Porém, não é mais tão fácil dizer de onde elas se originam,”(p.36)  

Cultura e hibidismo

Sobre a realidade cultural no Caribe:

“A distinção de nossa cultura é manifestamente o resultado do maior entrelaçamento e fusão, na fornalha da sociedade colonial, de diferentes elementos culturais africanos, asiáticos e europeus (...) Esse resultado híbrido não pode mais ser facilmente desagregado em seus elementos “autênticos” de origem .”(p.31)

“Através da transculturação “grupos subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir dos materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana dominante. É um processo da “zona de contato”, um termo que invoca a “copresença espacial e temporal dos sujeitos anteriormente isolados por disjunturas geográficas e históricas.””(.31)

Multicultural / Multiculturalismo

“Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade “original”.”(p.50)

“Multiculturalismo é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.”(p.50)

Raça e Etnia

O “termo raça é aplicado geralmente aos afro-caribenhos e etnicidade aos asiáticos. Considera-se que raça traduza melhor a experiência afro-caribenha por causa da importância da cor da pele, uma ideia derivada da biologia.(...) Os asiáticos não constituem uma raça, nem tampouco uma única etnia.”(p.66)

“Já a “etnicidade” gera um discurso em que a diferença se funda sob características culturais e religiosas. Nesses termos, ela frequentemente se contrapões a raça. Porém, essa oposição binária pode ser delineada de forma muito simplista.”(p.67)




domingo, 30 de outubro de 2011

Sobre a evolução dos estudos literários





A relação entre o homem e a linguagem evidencia-se de inúmeras maneiras: na literatura, na poesia, na religião, na filosofia e em toda a sorte de produção artística. Os antigos filósofos gregos buscavam esclarecer a relação entre os nomes e os objetos, tentavam compreender a linguagem em sua organização e princípios. Os diálogos socráticos, imortalizados por Platão, nos apresentam os infindáveis debates travados em torno da linguagem e sua relação com a realidade. Ao lermos atentamente os diálogos podemos evidenciar a dicotomia entre língua e fala, ou melhor, entre a escrita e a oralidade que mais tarde é utilizada por Fernand Saussure para estabelecer um objeto para os estudos linguísticos garantindo-lhe o status de ciência.
Os primeiros registros de escrita, a que temos noticia, datam de 4000 a.C atribuídos aos Sumérios em sânscrito, dialeto em que os antigos povos hindus registravam os rituais e dogmas sagrados. O desenvolvimento dos estudos linguísticos estava vinculado a questões religiosas, o homem acreditava poder estabelecer uma relação íntima com Deus por intermédio da palavra.
Os estudos sobre a linguagem durante a Idade Média – entre os séculos XIII e XIV –, em países como França, Alemanha, Grã-Bretanha e Dinamarca, tem na filosofia Modistae também chamados de modistas ou gramáticos especulativos uma de suas manifestações mais importantes. O Modistae é uma filosofia que buscava construir uma teoria geral da linguagem, partindo da autonomia da gramática em relação à lógica. Os estudos desse período acreditavam que a linguagem natural era separada em três tipos de modalidades: modos de ser (modi essendi), modos de entendimento (modi intelligendi) e os modos de significar (modi significandi).
No século XVII, surge uma gramática tomada como modelo por muitos estudiosos, a Gramática de Port-Royal, também chamada de Gramática geral e racional, dos franceses Claude Lancelot e Antoine Arnauld (1690). No século XIX, surge a linguística histórica com as gramáticas comparadas. Nesse momento os estudiosos não focam suas análises na uniformidade idealizada, mas a constatação de que a língua se modifica com o tempo. O interesse dos pesquisadores da época passa a ser justamente os fatores que geram a alteração da língua com o tempo. O personagem mais importante para o desenvolvimento desses estudos foi o filósofo alemão Franz Bopp que em suas pesquisas comparativas revela a importância para do sânscrito para as línguas indo-européias.
É, no entanto, apenas no começo do século XX, com o surgimento da linguística, que os estudos sobre a linguagem ganham forma de ciência, com objeto e métodos próprios. A linguística tal como conhecemos na atualidade surge com o Curso de Linguística Geral, do suíço, Ferdinand Saussure. Publicada em 1916, a obra é resultado das anotaçõesTo the Modistae, the various parts of speech were viewed as representing reality in terms of these modes.The modi essendi are objectively existent qualities in an object of understanding, the modi intelligendi the understanding's means of representing the modi essendi , and the modi significandi grammar's means of representing the modi intelligendi in language. de aulas reunidas e publicadas por seus alunos Charles Barley e A. Sechehaye. A partir da dicotomia entre língua e fala, Ferdinand Saussure estabelece a língua como objeto de estudo da linguística. A língua é vista como um sistema de signos, ou seja, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo. O teórico estabelece “leis” que explicam a relação entre as palavras e seu significado.
O que Saussure chamava de sistema foi substituído pelo termo estrutura por seus sucessores. O estruturalismo serviu a várias ciências, teve muitas formas no interior dos estudos linguísticos. Uma dessas formas foi o funcionalismos que focalizava seus estudos nas funções desempenhadas pelos elementos linguísticos, sob quaisquer aspectos: fônicos, gramaticais e semânticos. O americano L. Bloomfield propõe uma teoria geral da linguagem que buscava uma explicação comportamental (behaviorista) dos fatos linguísticos, fundada pelo esquema de estímulo/resposta, a qual se denominou de distribucionalismo. O objetivo da metodologia distribucional era detectar unidades e estabelecer classes e equivalência entre elas, por meio da comparação em que ocorrem: quando nos mesmos contextos pertencem às mesmas classes.
O desenvolvimento dos estudos linguísticos teve grande contribuição dos chamados círculos linguísticos, grupos de estudiosos que se reuniam para discutir a linguagem sob diversas perspectivas. Roman Jakobson, em 1915, fundou o Círculo Linguístico de Moscou (CLM) que reuniu os formalistas russos. O objetivo do era o estudo científico da língua e das leis e das leis da produção poética, procurando desmitificar a obscuridade mítico-literária da linguagem poética enquanto “linguagem dos deuses” e analisar as formar do conto, da narrativa, dos poemas populares. As transformações políticas ocorridas na Rússia, nos anos de 1923, resultaram na condenação do formalismo e na consequente extinção do círculo. Os debates das questões linguísticas deslocam-se para Praga.
O Círculo Linguístico de Praga (CLP), criado pelo tcheco Mathesius, inaugura-se em um manifesto apresentado em 1928, em Haya, pelos russos Troubetzkoy, Karcevshy e Jakobson. As principais contribuições do círculo atingem duas perspectivas – a instauração da noção de comunicação como objeto de estudo científico e a promoção do cruzamento entre o objeto da linguística e o da literatura. Surge em Copenhague, em 1931, um movimento que rejeita qualquer referência à literatura, levando em conta a lógica matemática, com o objetivo de elaborar uma teoria linguística universal. A produção do círculo tem raras possibilidades de aplicação prática pelo caráter excessivamente abstrato do pensamento de Saussure.
 Ainda dentro desse contexto, o dinamarquês Hjemsley estabelece os conceitos de conotação (sentido figurado) e denotação (sentido lexical), resultando em uma separação entre o plano lógico da comunicação e o plano afetivo de efeito poético. A dicotomia entre razão e lógica abre caminho para a criação do círculo de Viena (CLV). Nesses estudos o propósito passa a ser depurar a linguagem, aproximando-a da razão. Noam Chomsky propõe uma teoria a qual denominou de gramática que centra seus estudos na sintaxe. A gramática deixa de ter como finalidade normatizar, mas dar conta de todas as frases gramaticais da língua. O papel do lingüista, para Chomsky, é descrever a competência do falante, ou seja, descrever a capacidade que o falante (ouvinte) tem de toda a língua. O teórico defende o inatismo, segundo o qual homem nasce com um aparato linguístico que se desenvolve na interação social.
A evolução dos estudos linguísticos parte da dualidade existente em sua própria definição, pois ela determina ao mesmo tempo a ciência da língua em quanto sistema de signos e das línguas enquanto idiomas históricos falados por diferentes povos. Nesse processo evolutivo nenhuma questão é definitivamente esclarecida ou ignorada. Conforme a ideologia predominante em determinados momentos históricos alguns temas são tido como relevantes ou não para apreciação dos linguístas. Ainda que a visão formalista tenha predominado nos estudos linguísticos do século XX, outras tendências se formam e coexistem. Essas outras tendências desenvolvem estudos voltados para heterogeneidade, com o propósito de sistematizar os usos concretos da linguagem pelos falantes reais da língua.
A língua deixa de ser considerada apenas um instrumento do pensamento como propunham os formalistas mais radicais, pois a comunicação humana transcende a informação. Surgem nesse contexto estudos que levam em conta a relação linguagem e pensamento e linguagem e sociedade.  A sociolinguística (W. Labov), a pragmática (Charles Morris), a teoria da enunciação (Bakhtin) e a análise do discurso partem de um ponto comum para o desenvolvimento de seus estudos – a relação da linguagem com as condições de produção do discurso (o falante, o ouvinte).
Na evolução da linguística constata-se que em sua origem os estudos desenvolvem uma teoria descritiva (estruturalismo), seguida de uma teoria científica explicativa (gerativismo). No momento em que o caráter social da linguagem é evidenciado temos o desenvolvimento de teorias críticas da produção da linguagem.  O conceito de discurso transcende as dicotomias entre língua/fala ou competência/desempenho. A língua deixa de ser observada como um sistema abstrato de normas e códigos propostos por Saussure; além de recusar a noção de competência de Chomsky, uma vez que esta considera os falantes como ideais.    
A análise do discurso introduz o sujeito como um ser social e histórico e, por conseguinte, instaura nos estudos linguísticos as reflexões de poder e relações sociais. O discurso é definido não mais como transmissor de informação, mas como transmissor de efeitos de sentido entre locutores e interlocutores. O que se diz não resulta apenas da intenção informativa do sujeito, mas da relação de sentidos estabelecidos por eles num contexto social e histórico.
É, pois, a partir da visão da linguagem como produção de um sujeito que se posiciona em um determinado momento histórico e em determinado grupo social é que propomos a análise do poema Exortação, do Maurício Gomes. A professora Maria José Blaskovski Vieira, da Universidade Federal de Pelotas ao falar sobre a obra Luuanda do escritor angolano Luandino Vieira, esclarece:

O português, tal como tem se desenvolvido na Europa, no Brasil e na África revela a existência de variações, muitas das quais fruto do contato linguístico e cultural diverso em cada um dos lugares onde é falado. A rigor pode-se dizer que o português começou a se construir em distintas modalidades a partir do momento em que se deu sua transplantação para as cidades colônias na América e na África.(VIEIRA, 2009, p.176)


Dentro dessa perspectiva estendemos o olhar literário não apenas aos textos canonizados e estruturalmente classificados como aceitos, mas à toda narrativa (oral ou escrita) que provoque determinado efeito sobre o intelerlocutor. O texto literário articula a estrutura e o significado, a expressão de sentimentos ou visão de mundo e além da manifestação de conhecimento ou como incorporação difusa e inconsciente.  
De fato, quando elaboram uma estrutura, o poeta ou narrador nos propõem um modelo de coerência, gerado pela força da palavra organizada. Se fosse possível abstrair o sentido e pensar nas palavras como tijolos de uma construção, eu diria que esses tijolos representam um modo de orgaqnizar a matéria, e que enquanto organização eles exercem papel ordenador sobre a nossa mente. Quer percebamos claramente ou não, o caráter de coisa organizada da obra literária torna-se um fator que nos deixa mais capazes de ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e em consequência, mais capazes de organizar a visão que temos do mundo. (CANDIDO, 1995, p.245)      
Para o autor, “cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e  atuação deles”(idem, p.243).

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Sobre os estudos da linguagem



A relação entre o homem e a linguagem evidencia-se de inúmeras maneiras: na literatura, na poesia, na religião, na filosofia e em toda a sorte de produção artística. Os antigos filósofos gregos buscavam esclarecer a relação entre os nomes e os objetos, tentavam compreender a linguagem em sua organização e princípios. Os diálogos socráticos, imortalizados por Platão, nos apresentam os infindáveis debates travados em torno da linguagem e sua relação com a realidade. Ao lermos atentamente os diálogos podemos evidenciar a dicotomia entre língua e fala, ou melhor, entre a escrita e a oralidade que mais tarde é utilizada por Fernand Saussure para estabelecer um objeto para os estudos linguísticos garantindo-lhe o status de ciência.
Os primeiros registros de escrita, a que temos noticia, datam de 4000 a.C atribuídos aos Sumérios em sânscrito, dialeto em que os antigos povos hindus registravam os rituais e dogmas sagrados. O desenvolvimento dos estudos linguísticos estava vinculado a questões religiosas, o homem acreditava poder estabelecer uma relação íntima com Deus por intermédio da palavra.
Os estudos sobre a linguagem durante a Idade Média – entre os séculos XIII e XIV –, em países como França, Alemanha, Grã-Bretanha e Dinamarca, tem na filosofia Modistae também chamados de modistas ou gramáticos especulativos uma de suas manifestações mais importantes. O Modistae é uma filosofia que buscava construir uma teoria geral da linguagem, partindo da autonomia da gramática em relação à lógica. Os estudos desse período acreditavam que a linguagem natural era separada em três tipos de modalidades: modos de ser (modi essendi), modos de entendimento (modi intelligendi) e os modos de significar (modi significandi).
No século XVII, surge uma gramática tomada como modelo por muitos estudiosos, a Gramática de Port-Royal, também chamada de Gramática geral e racional, dos franceses Claude Lancelot e Antoine Arnauld (1690). No século XIX, surge a linguística histórica com as gramáticas comparadas. Nesse momento os estudiosos não focam suas análises na uniformidade idealizada, mas a constatação de que a língua se modifica com o tempo. O interesse dos pesquisadores da época passa a ser justamente os fatores que geram a alteração da língua com o tempo. O personagem mais importante para o desenvolvimento desses estudos foi o filósofo alemão Franz Bopp que em suas pesquisas comparativas revela a importância para do sânscrito para as línguas indo-européias.
É, no entanto, apenas no começo do século XX, com o surgimento da linguística, que os estudos sobre a linguagem ganham forma de ciência, com objeto e métodos próprios. A linguística tal como conhecemos na atualidade surge com o Curso de Linguística Geral, do suíço, Ferdinand Saussure. Publicada em 1916, a obra é resultado das anotaçõesTo the Modistae, the various parts of speech were viewed as representing reality in terms of these modes.The modi essendi are objectively existent qualities in an object of understanding, the modi intelligendi the understanding's means of representing the modi essendi , and the modi significandi grammar's means of representing the modi intelligendi in language. de aulas reunidas e publicadas por seus alunos Charles Barley e A. Sechehaye. A partir da dicotomia entre língua e fala, Ferdinand Saussure estabelece a língua como objeto de estudo da linguística. A língua é vista como um sistema de signos, ou seja, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo. O teórico estabelece “leis” que explicam a relação entre as palavras e seu significado.
O que Saussure chamava de sistema foi substituído pelo termo estrutura por seus sucessores. O estruturalismo serviu a várias ciências, teve muitas formas no interior dos estudos linguísticos. Uma dessas formas foi o funcionalismos que focalizava seus estudos nas funções desempenhadas pelos elementos linguísticos, sob quaisquer aspectos: fônicos, gramaticais e semânticos. O americano L. Bloomfield propõe uma teoria geral da linguagem que buscava uma explicação comportamental (behaviorista) dos fatos linguísticos, fundada pelo esquema de estímulo/resposta, a qual se denominou de distribucionalismo. O objetivo da metodologia distribucional era detectar unidades e estabelecer classes e equivalência entre elas, por meio da comparação em que ocorrem: quando nos mesmos contextos pertencem às mesmas classes.
O desenvolvimento dos estudos linguísticos teve grande contribuição dos chamados círculos linguísticos, grupos de estudiosos que se reuniam para discutir a linguagem sob diversas perspectivas. Roman Jakobson, em 1915, fundou o Círculo Linguístico de Moscou (CLM) que reuniu os formalistas russos. O objetivo do era o estudo científico da língua e das leis e das leis da produção poética, procurando desmitificar a obscuridade mítico-literária da linguagem poética enquanto “linguagem dos deuses” e analisar as formar do conto, da narrativa, dos poemas populares. As transformações políticas ocorridas na Rússia, nos anos de 1923, resultaram na condenação do formalismo e na consequente extinção do círculo. Os debates das questões linguísticas deslocam-se para Praga.
O Círculo Linguístico de Praga (CLP), criado pelo tcheco Mathesius, inaugura-se em um manifesto apresentado em 1928, em Haya, pelos russos Troubetzkoy, Karcevshy e Jakobson. As principais contribuições do círculo atingem duas perspectivas – a instauração da noção de comunicação como objeto de estudo científico e a promoção do cruzamento entre o objeto da linguística e o da literatura. Surge em Copenhague, em 1931, um movimento que rejeita qualquer referência à literatura, levando em conta a lógica matemática, com o objetivo de elaborar uma teoria linguística universal. A produção do círculo tem raras possibilidades de aplicação prática pelo caráter excessivamente abstrato do pensamento de Saussure.
 Ainda dentro desse contexto, o dinamarquês Hjemsley estabelece os conceitos de conotação (sentido figurado) e denotação (sentido lexical), resultando em uma separação entre o plano lógico da comunicação e o plano afetivo de efeito poético. A dicotomia entre razão e lógica abre caminho para a criação do círculo de Viena (CLV). Nesses estudos o propósito passa a ser depurar a linguagem, aproximando-a da razão. Noam Chomsky propõe uma teoria a qual denominou de gramática que centra seus estudos na sintaxe. A gramática deixa de ter como finalidade normatizar, mas dar conta de todas as frases gramaticais da língua. O papel do lingüista, para Chomsky, é descrever a competência do falante, ou seja, descrever a capacidade que o falante (ouvinte) tem de toda a língua. O teórico defende o inatismo, segundo o qual homem nasce com um aparato linguístico que se desenvolve na interação social.
A evolução dos estudos linguísticos parte da dualidade existente em sua própria definição, pois ela determina ao mesmo tempo a ciência da língua em quanto sistema de signos e das línguas enquanto idiomas históricos falados por diferentes povos. Nesse processo evolutivo nenhuma questão é definitivamente esclarecida ou ignorada. Conforme a ideologia predominante em determinados momentos históricos alguns temas são tido como relevantes ou não para apreciação dos linguístas. Ainda que a visão formalista tenha predominado nos estudos linguísticos do século XX, outras tendências se formam e coexistem. Essas outras tendências desenvolvem estudos voltados para heterogeneidade, com o propósito de sistematizar os usos concretos da linguagem pelos falantes reais da língua.
A língua deixa de ser considerada apenas um instrumento do pensamento como propunham os formalistas mais radicais, pois a comunicação humana transcende a informação. Surgem nesse contexto estudos que levam em conta a relação linguagem e pensamento e linguagem e sociedade.  A sociolinguística (W. Labov), a pragmática (Charles Morris), a teoria da enunciação (Bakhtin) e a análise do discurso partem de um ponto comum para o desenvolvimento de seus estudos – a relação da linguagem com as condições de produção do discurso (o falante, o ouvinte).
Na evolução da linguística constata-se que em sua origem os estudos desenvolvem uma teoria descritiva (estruturalismo), seguida de uma teoria científica explicativa (gerativismo). No momento em que o caráter social da linguagem é evidenciado temos o desenvolvimento de teorias críticas da produção da linguagem.  O conceito de discurso transcende as dicotomias entre língua/fala ou competência/desempenho. A língua deixa de ser observada como um sistema abstrato de normas e códigos propostos por Saussure; além de recusar a noção de competência de Chomsky, uma vez que esta considera os falantes como ideais.    
A análise do discurso introduz o sujeito como um ser social e histórico e, por conseguinte, instaura nos estudos linguísticos as reflexões de poder e relações sociais. O discurso é definido não mais como transmissor de informação, mas como transmissor de efeitos de sentido entre locutores e interlocutores. O que se diz não resulta apenas da intenção informativa do sujeito, mas da relação de sentidos estabelecidos por eles num contexto social e histórico.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

BREVE HISTÓRICO DE WALTER BENJAMIN





Walter Benedix Schönflies Benjamin (1892- 1940)


Um dos mais importantes membros da Escola de Frankfurt o ensaísta, crítico literário, tradutor, filósofo e sociólogo Walter Benjamin nasceu em 15 julho de 1892 em Berlim, Alemanha. Filho de comerciantes judeus Emil Benjamin e Paula Schönflies Benjamin. Desde sua adolescência Benjamin foi influenciado pelas ideias socialistas, participando do Movimento da Juventude Livre Alemã e colaborando ativamente com a revista do movimento, nesse período evidencia-se a influencia de Nietzsche. Profundo conhecedor da língua francesa traduziu importantes obras para o alemão como Quadros Parisienses de Charles Baudelaire e Em Busca do Tempo Perdido de Marcel Proust.
A Escola de Frankfurt, como ficou conhecido o grupo de pensadores alemães do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, fundado na década de 1920, foi responsável pelo desenvolvimento do que se intitulou de teoria crítica. Os estudos do grupo concentravam-se na análise da sociedade de massa, na qual o avanço tecnológico é colocado a serviço da reprodução da lógica capitalista, enfatizando o consumo e a diversão como formas de garantir o apaziguamento e a diluição dos problemas sociais. Destacam-se também no grupo os pensadores Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Erich Fromm e Jurgen Habermas.
Suas teorias combinam ideias aparentemente antagonicas do idealismo alemão, do materialismo dialético e do misticismo judaico, constitui um contributo original para a teoria estética. Entre as suas obras mais conhecidas, contam-se A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica (1936), Teses Sobre o Conceito de História (1940) e a monumental e inacabada Paris, Capital do século XIX, enquanto A Tarefa do Tradutor constitui referência incontornável dos estudos literários. As teses de Benjamin se distinguem das de Adorno e de Horkheimer ao assumir uma postura mais otimista quanto à indústria cultural. Enquanto Adorno e Horkheimer acreditam que a cultura fornecida pelos meios de comunicação de massa não possibilitam que as classes assalariadas posicionem-se criticamente frente à realidade, para Walter Benjamin a arte difundida pelos meios de comunicação pode servir como instrumento de politização. Em seu texto A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução, ele se mostra otimista com a possibilidade de que a arte, a partir do desenvolvimento das técnicas de reprodução (discos, reprografia e processos semelhantes), se torne acessível a todos.
Em 1915, conhece Gerschom Gerhard Scholem de quem se torna muito próximo, quer pelo gosto comum pela arte, quer pela religião judaica que estudavam.
Em 1919 defende tese de doutorado, A Crítica de Arte no Romantismo Alemão, que foi aprovada e recomendada para publicação.
Em 1925, Benjamin constatou que a porta da vida acadêmica estava fechada para sí, tendo a sua tese de livre-docência Origem do Drama Barroco Alemão sido rejeitada pelo Departamento de Estética da Universidade de Frankfurt.
Nos últimos anos da década de 1920 o filósofo judeu interessa-se pelo marxismo, e juntamente com o seu companheiro de então, Theodor Adorno, aproxima-se da filosofia de Georg Lukács. Por esta altura e nos anos seguintes publica resenhas e traduções que lhe trariam reconhecimento como crítico literário, entre elas as séries sobre Charles Baudelaire.
Refugiou-se na Itália, de 1934 a 1935. Neste momento cresciam as tensões entre Benjamin e o Instituto para Pesquisas Sociais, associado ao que ficou conhecida como Escola de Frankfurt, da qual Benjamin foi mais um inspirador do que um membro.
Em 1940, ano da sua morte, Benjamin escreve a sua última obra, considerada por alguns como o mais importante texto revolucionário desde Marx; por outros, como um retrocesso no pensamento benjaminiano: as Teses Sobre o Conceito de História.
A sua morte, desde sempre envolta em mistério, teria ocorrido durante a tentativa de fuga através dos Pirenéus, quando, em Portbou, temendo ser entregue à Gestapo, teria cometido o suicídio.

Obras
A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica (1936).
Paris, Capital do século XIX (inacabado).
Teses Sobre o Conceito de História (1940).
A Modernidade e os Modernos, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
"Haxixe", São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
Origem do Drama Barroco Alemão, trad. e pref. Sérgio Paulo Rouanet, São Paulo: Brasiliense, 1984.
Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação, 3ª ed., trad. Marcus Vinicius Mazzari, São Paulo: Summus Editorial, 1984.
Estéticas do Cinema, ed., apres. e notas Eduardo Geada, trad. Tereza Coelho, Lisboa: D. Quixote, 1985.
Obras Escolhidas, v. I, Magia e técnica, arte e política, trad. S.P. Rouanet, São Paulo: Brasiliense, 1985.
Obras Escolhidas, v. II, Rua de mão única, trad. de R.R. Torres F. e J.C.M. Barbosa, São Paulo: Brasiliense, 1987.
Obras Escolhidas, v. III, Chrales Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo, trad. de J.C.M. Barbosa e H.A. Baptista, São Paulo: Brasiliense, 1989.
Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie: escritos escolhidos, introd. Willi Bolle, trad. Celeste H. M. Ribeiro de Sousa, São Paulo: Cultrix, 1986.
Diário de Moscou, pref. Gerschom Scholem, ed. e notas Gary Smith, trad. Hildegard Herbold, São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
Histórias e Contos, trad. Telma Costa, Lisboa: Teorema, 1992.
Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, pref. Theodor W. Adorno, Lisboa: Relógio d`Àgua, 1992.
Rua de Sentido Único e Infância em Berlim por Volta de 1900, pref. Susan Sontag, Lisboa: Relógio d`Água, 1992.
O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão, trad. pref. e notas de Márcio Seligmann-Silva, São Paulo: Iluminuras/ EDUSP, 1993.
Correspondência: Walter Benjamin, Gerschom Scholem, rev. Plinio Martins Filho, São Paulo: Perspectiva, 1993.
Kafka, trad. e introd. Ernesto Sampaio, Lisboa, Hiena, 1994.
Os Sonetos de Walter Benjamin, trad. Vasco Graça Moura, Porto: Campo das Letras, 1999.
Leituras de Walter Benjamin, org. Márcio Seligmann-Silva, São Paulo: FAPESP, 1999.
Origem do Drama Trágico Alemão, ed., apres. e trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004.
Imagens de Pensamento, trad. João Barrento, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004.
Passagens, org. W. Bolle, São Paulo: IMESP, 2006.
Benjamin, Andrew, A Filosofia de Walter Benjamin, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1997.