domingo, 30 de outubro de 2011

Sobre a evolução dos estudos literários





A relação entre o homem e a linguagem evidencia-se de inúmeras maneiras: na literatura, na poesia, na religião, na filosofia e em toda a sorte de produção artística. Os antigos filósofos gregos buscavam esclarecer a relação entre os nomes e os objetos, tentavam compreender a linguagem em sua organização e princípios. Os diálogos socráticos, imortalizados por Platão, nos apresentam os infindáveis debates travados em torno da linguagem e sua relação com a realidade. Ao lermos atentamente os diálogos podemos evidenciar a dicotomia entre língua e fala, ou melhor, entre a escrita e a oralidade que mais tarde é utilizada por Fernand Saussure para estabelecer um objeto para os estudos linguísticos garantindo-lhe o status de ciência.
Os primeiros registros de escrita, a que temos noticia, datam de 4000 a.C atribuídos aos Sumérios em sânscrito, dialeto em que os antigos povos hindus registravam os rituais e dogmas sagrados. O desenvolvimento dos estudos linguísticos estava vinculado a questões religiosas, o homem acreditava poder estabelecer uma relação íntima com Deus por intermédio da palavra.
Os estudos sobre a linguagem durante a Idade Média – entre os séculos XIII e XIV –, em países como França, Alemanha, Grã-Bretanha e Dinamarca, tem na filosofia Modistae também chamados de modistas ou gramáticos especulativos uma de suas manifestações mais importantes. O Modistae é uma filosofia que buscava construir uma teoria geral da linguagem, partindo da autonomia da gramática em relação à lógica. Os estudos desse período acreditavam que a linguagem natural era separada em três tipos de modalidades: modos de ser (modi essendi), modos de entendimento (modi intelligendi) e os modos de significar (modi significandi).
No século XVII, surge uma gramática tomada como modelo por muitos estudiosos, a Gramática de Port-Royal, também chamada de Gramática geral e racional, dos franceses Claude Lancelot e Antoine Arnauld (1690). No século XIX, surge a linguística histórica com as gramáticas comparadas. Nesse momento os estudiosos não focam suas análises na uniformidade idealizada, mas a constatação de que a língua se modifica com o tempo. O interesse dos pesquisadores da época passa a ser justamente os fatores que geram a alteração da língua com o tempo. O personagem mais importante para o desenvolvimento desses estudos foi o filósofo alemão Franz Bopp que em suas pesquisas comparativas revela a importância para do sânscrito para as línguas indo-européias.
É, no entanto, apenas no começo do século XX, com o surgimento da linguística, que os estudos sobre a linguagem ganham forma de ciência, com objeto e métodos próprios. A linguística tal como conhecemos na atualidade surge com o Curso de Linguística Geral, do suíço, Ferdinand Saussure. Publicada em 1916, a obra é resultado das anotaçõesTo the Modistae, the various parts of speech were viewed as representing reality in terms of these modes.The modi essendi are objectively existent qualities in an object of understanding, the modi intelligendi the understanding's means of representing the modi essendi , and the modi significandi grammar's means of representing the modi intelligendi in language. de aulas reunidas e publicadas por seus alunos Charles Barley e A. Sechehaye. A partir da dicotomia entre língua e fala, Ferdinand Saussure estabelece a língua como objeto de estudo da linguística. A língua é vista como um sistema de signos, ou seja, um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo. O teórico estabelece “leis” que explicam a relação entre as palavras e seu significado.
O que Saussure chamava de sistema foi substituído pelo termo estrutura por seus sucessores. O estruturalismo serviu a várias ciências, teve muitas formas no interior dos estudos linguísticos. Uma dessas formas foi o funcionalismos que focalizava seus estudos nas funções desempenhadas pelos elementos linguísticos, sob quaisquer aspectos: fônicos, gramaticais e semânticos. O americano L. Bloomfield propõe uma teoria geral da linguagem que buscava uma explicação comportamental (behaviorista) dos fatos linguísticos, fundada pelo esquema de estímulo/resposta, a qual se denominou de distribucionalismo. O objetivo da metodologia distribucional era detectar unidades e estabelecer classes e equivalência entre elas, por meio da comparação em que ocorrem: quando nos mesmos contextos pertencem às mesmas classes.
O desenvolvimento dos estudos linguísticos teve grande contribuição dos chamados círculos linguísticos, grupos de estudiosos que se reuniam para discutir a linguagem sob diversas perspectivas. Roman Jakobson, em 1915, fundou o Círculo Linguístico de Moscou (CLM) que reuniu os formalistas russos. O objetivo do era o estudo científico da língua e das leis e das leis da produção poética, procurando desmitificar a obscuridade mítico-literária da linguagem poética enquanto “linguagem dos deuses” e analisar as formar do conto, da narrativa, dos poemas populares. As transformações políticas ocorridas na Rússia, nos anos de 1923, resultaram na condenação do formalismo e na consequente extinção do círculo. Os debates das questões linguísticas deslocam-se para Praga.
O Círculo Linguístico de Praga (CLP), criado pelo tcheco Mathesius, inaugura-se em um manifesto apresentado em 1928, em Haya, pelos russos Troubetzkoy, Karcevshy e Jakobson. As principais contribuições do círculo atingem duas perspectivas – a instauração da noção de comunicação como objeto de estudo científico e a promoção do cruzamento entre o objeto da linguística e o da literatura. Surge em Copenhague, em 1931, um movimento que rejeita qualquer referência à literatura, levando em conta a lógica matemática, com o objetivo de elaborar uma teoria linguística universal. A produção do círculo tem raras possibilidades de aplicação prática pelo caráter excessivamente abstrato do pensamento de Saussure.
 Ainda dentro desse contexto, o dinamarquês Hjemsley estabelece os conceitos de conotação (sentido figurado) e denotação (sentido lexical), resultando em uma separação entre o plano lógico da comunicação e o plano afetivo de efeito poético. A dicotomia entre razão e lógica abre caminho para a criação do círculo de Viena (CLV). Nesses estudos o propósito passa a ser depurar a linguagem, aproximando-a da razão. Noam Chomsky propõe uma teoria a qual denominou de gramática que centra seus estudos na sintaxe. A gramática deixa de ter como finalidade normatizar, mas dar conta de todas as frases gramaticais da língua. O papel do lingüista, para Chomsky, é descrever a competência do falante, ou seja, descrever a capacidade que o falante (ouvinte) tem de toda a língua. O teórico defende o inatismo, segundo o qual homem nasce com um aparato linguístico que se desenvolve na interação social.
A evolução dos estudos linguísticos parte da dualidade existente em sua própria definição, pois ela determina ao mesmo tempo a ciência da língua em quanto sistema de signos e das línguas enquanto idiomas históricos falados por diferentes povos. Nesse processo evolutivo nenhuma questão é definitivamente esclarecida ou ignorada. Conforme a ideologia predominante em determinados momentos históricos alguns temas são tido como relevantes ou não para apreciação dos linguístas. Ainda que a visão formalista tenha predominado nos estudos linguísticos do século XX, outras tendências se formam e coexistem. Essas outras tendências desenvolvem estudos voltados para heterogeneidade, com o propósito de sistematizar os usos concretos da linguagem pelos falantes reais da língua.
A língua deixa de ser considerada apenas um instrumento do pensamento como propunham os formalistas mais radicais, pois a comunicação humana transcende a informação. Surgem nesse contexto estudos que levam em conta a relação linguagem e pensamento e linguagem e sociedade.  A sociolinguística (W. Labov), a pragmática (Charles Morris), a teoria da enunciação (Bakhtin) e a análise do discurso partem de um ponto comum para o desenvolvimento de seus estudos – a relação da linguagem com as condições de produção do discurso (o falante, o ouvinte).
Na evolução da linguística constata-se que em sua origem os estudos desenvolvem uma teoria descritiva (estruturalismo), seguida de uma teoria científica explicativa (gerativismo). No momento em que o caráter social da linguagem é evidenciado temos o desenvolvimento de teorias críticas da produção da linguagem.  O conceito de discurso transcende as dicotomias entre língua/fala ou competência/desempenho. A língua deixa de ser observada como um sistema abstrato de normas e códigos propostos por Saussure; além de recusar a noção de competência de Chomsky, uma vez que esta considera os falantes como ideais.    
A análise do discurso introduz o sujeito como um ser social e histórico e, por conseguinte, instaura nos estudos linguísticos as reflexões de poder e relações sociais. O discurso é definido não mais como transmissor de informação, mas como transmissor de efeitos de sentido entre locutores e interlocutores. O que se diz não resulta apenas da intenção informativa do sujeito, mas da relação de sentidos estabelecidos por eles num contexto social e histórico.
É, pois, a partir da visão da linguagem como produção de um sujeito que se posiciona em um determinado momento histórico e em determinado grupo social é que propomos a análise do poema Exortação, do Maurício Gomes. A professora Maria José Blaskovski Vieira, da Universidade Federal de Pelotas ao falar sobre a obra Luuanda do escritor angolano Luandino Vieira, esclarece:

O português, tal como tem se desenvolvido na Europa, no Brasil e na África revela a existência de variações, muitas das quais fruto do contato linguístico e cultural diverso em cada um dos lugares onde é falado. A rigor pode-se dizer que o português começou a se construir em distintas modalidades a partir do momento em que se deu sua transplantação para as cidades colônias na América e na África.(VIEIRA, 2009, p.176)


Dentro dessa perspectiva estendemos o olhar literário não apenas aos textos canonizados e estruturalmente classificados como aceitos, mas à toda narrativa (oral ou escrita) que provoque determinado efeito sobre o intelerlocutor. O texto literário articula a estrutura e o significado, a expressão de sentimentos ou visão de mundo e além da manifestação de conhecimento ou como incorporação difusa e inconsciente.  
De fato, quando elaboram uma estrutura, o poeta ou narrador nos propõem um modelo de coerência, gerado pela força da palavra organizada. Se fosse possível abstrair o sentido e pensar nas palavras como tijolos de uma construção, eu diria que esses tijolos representam um modo de orgaqnizar a matéria, e que enquanto organização eles exercem papel ordenador sobre a nossa mente. Quer percebamos claramente ou não, o caráter de coisa organizada da obra literária torna-se um fator que nos deixa mais capazes de ordenar a nossa própria mente e sentimentos; e em consequência, mais capazes de organizar a visão que temos do mundo. (CANDIDO, 1995, p.245)      
Para o autor, “cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e  atuação deles”(idem, p.243).

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