Ndalu de Almeida é poeta, escritor, cineasta e artista plástico, nascido na cidade de Luanda, em 1977. O jovem de apenas 33 anos, conhecido pelo pseudônimo de Ondjaki, ganha notoriedade e diversos prêmios como: o concurso literário angolano António Jacinto, em 2000; o Grande Prêmio de Conto Camilo Castelo Branco, em 2007; além de receber o título de Best african writer na premiação Grinzane, em 2008; ainda no mesmo ano ele foi o único representante africano entre os 10 escritores finalistas do Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2008. Por seu engajamento cultural e pela qualidade de sua produção literária Ondjaki integra antologias de cunho internacional, publicadas no Brasil, no Uruguai e em Portugal. Seus livros têm sido traduzidos em muitos países: França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e China. Entre seus livros mais conhecidos estão o romance Bom Dia Camaradas, de 2001; a novela O Assobiador, de 2002; o livro de poesia Há Prendisajens com o Xão, de 2002; o infantil Ynari: A Menina das Cinco Tranças, de 2004, e o mais recente volume poético Materiais para confecção de um espanador de tristezas, de 2009.
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A novela apresenta-nos a história de uma pacata aldeia interiorana que tem sua rotina alterada com a chegada de um misterioso forasteiro, cujo assobio provoca reações epifânicas em quase todos os moradores. Personagens como o caixeiro viajante e alquimista KeMunuMunu; o de “desequilibrada memória”, KaLua; o Coveiro Kotimbalo; Dona Mamã; o padre; a enferma Dona Rebenta; a misteriosa Dissoxi e o forasteiro Assobiador convivem harmoniosamente com burros, andorinhas e árvores que sonham, dormem e afetam-se pelo assobio mágico do forasteiro assim como as demais personagens.
São muitos os objetos passíveis de análise na obra de Ondjaki como, por exemplo, o som do assobio instaurador de epifânicos efeitos nos moradores da aldeia; a imunidade do caixeiro-viajante e alquimista KeMunuMunu ao som do assobio que tenta comercializar o assobio em frascos de vidro; a irreverência da personagem KaLua – “homem de desequilibrada memória (ONDJAKI, 2002, p.22)” que “andava sempre acompanhado de rolos de papel higiênico e gostava de fazer as necessidades ao ar livre (ONDJAKI, 2002, p.22)” – ; Dissoxi – mulher misteriosa que vive em uma casa de sal angustiada pela ausência do mar – e a chegada do forasteiro, o Assobiador, cujo assobio instaura o transe nos aldeões e leitores.
A atmosfera luminosa e ampla da aldeia contribui para a essência fantástica da obra. A parca definição de localização da aldeia e de características arquitetônicas da aldeia apaga as marcas de temporalidade e de nacionalidade do texto, caracterizando-o como culturalmente híbrido. O autor descreve com alguma precisão apenas dois sítios a igreja e a casa de Dissoxi. Casualmente, são esses os locais – a igreja e a casa de Dissoxi – em que a religiosidade emerge. “Respirou o ar que lá estava, sentiu uma delicada religiosidade penetrar-lhe os pulmões e o coração. A beleza da arquitectura, a luz filtrada pelos vitrais, a manhã e o momento, a ausência do Padre fizeram-no começar o assobio (ONDJAKI, 2002, p.18)”.
Observaremos a possível representação do conceito de carnavalização bakhtiniano na da chegada desse forasteiro que altera a rotina da aldeia com seu assobio. “A música, em assobio simples, recriava um novo universo dentro da paróquia e todos os corações da assistência – padre, pombos, andorinhas, o mundo! – revestiam-se de uma nova coloração carnavalesca: uma interna celebração (ONDJAKI, 2002, p.18)”. O Assobiador, protagonista da obra, envolve a todos aldeãos com seu assobio. O transe provocado pelo som apresenta uma crescente influência na comunidade. Inicialmente o assobio provoca a imobilidade do corpo e o estado de sonambulismo, evoluindo para uma erotização generalizada.
A importância do personagem forasteiro de assobio poderoso, dentro da narrativa, é evidenciada, não apenas, pela escolha do título da obra – O Assobiador –, mas também nome atribuído pelos aldeãos ao forasteiro. Em determinados trechos é possível comprovarmos o caráter subversivo do personagem Assobiador que escolhe, entre todos os lugares da cidade, a igreja como sendo “um dos melhores sítios do mundo para assobiar melodias (ONDJAKI, 2002, p.18)”. O caráter profano do assobio destaca-se em vários momentos da narrativa em que os personagens, apesar de considerarem sua música “uma melodia capitalmente proibida pela Inquisição (ONDJAKI, 2002, p.59)”, apreciam-na de forma velada.
Curiosamente, o protagonista da obra em nenhum momento tem sua voz manifestada de forma individualizada, aumentando ainda mais o mistério entorno de seu fantástico assobiar. A parca informação que temos da personagem é obtida pela voz do autor e de outros personagens. O protagonista não interage dialogicamente com as demais personagens, o enunciado da personagem protagonista centraliza-se em seu assobio que atinge a todas as demais personagens de forma mágica. A força da arte assobiada do protagonista impossibilita a reação dos interlocutores que se entregam a um transe profundo, misto de sonambulismo e encantamento, caracterizando o monologismo bakhtiniano. Paradoxalmente, o mesmo personagem responsável por essa relação monológica com os aldeões é definido, polifonicamente, através do dialogismo das personagens e autor que auxiliam o interlocutor na construção da representação do misterioso Assobiador.
A concepção bakhtiniana de carnavalização está vinculada ao impacto do assobio nas personagens. O momento em que todos os indivíduos equipolam-se e equivalem-se em suas vozes é o que Bakhtin chama de carnavalização. A carnavalização está ligada à utopia bakhitiniana em que as vozes de todos os indivíduos são igualmente valorizadas. Todos os personagens são colocados em um mesmo plano: burros, árvores, pássaros e aldeões são igualmente afetados pelo som do assobio.
Dizem os mais velhos – difícil de comprovar – que as esvoaçadas criaturas também sonham. Os pássaros são amantes das alturas, sempre emprestados nas aterrissagens, nunca constantes aqui ao pé da humana gente. [...] Ao pé das nuvens pinga mais cedo, é verdade, e o silêncio do céu é coisa inatingível para os não voadores – nós nunca experimentaremos. O sonho dos pássaros foi que muitos deles se dirigiam para uma terra onde acontecia uma magia semelhante à deles vivida. (ONDJAKI, 2002, p. 66)
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