Sofia e a filosofia da vida
Era uma vez uma menina tão solitária que nem mesmo a solidão queria fazer companhia a ela. Vivia em uma casa simples com sua mãe, pois seu pai morrera antes dela nascer. Passava a maior parte do tempo entre os livros das bibliotecas da cidade, lendo contos e histórias maravilhosas em que princesas, quase sempre, presas em castelos esperavam a chegada de um príncipe disposto a salvá-las. Adorava ler enquanto aguardava sua mãe retornar do duro trabalho que mantinha como empregada doméstica. A leitura era a rota de fuga de sua dura realidade.
Os contos que lia e que lhe serviram de refúgio durante boa parte da infância aos poucos foram lhe inquietando a alma. Na medida em que adolescia, a menina começou a reparar nas diferenças entre ela e as protagonistas de suas obras preferidas. As princesas eram sempre lindas, claras e delicadas, enquanto ela: negra, gordinha e desastrada não poderia jamais ser resgatada de seu “cárcere” por quem quer que fosse.
Os contos que até então lhe traziam tanta felicidade começaram a lhe fazer mal. Ela sabia que sua personalidade não possuía nenhum dos atributos das heroínas dos contos que, até então, lera. Pela primeira vez em sua vida solitária ela sentiu o gosto da real infelicidade. “Trancada” em um casebre, estudando em escolas públicas e tendo como companhia apenas os livros que tirava emprestado das bibliotecas, ela jamais teria condições de encontrar a mesma felicidade que conhecera nos contos.
Preocupada com sua situação, na busca de um final feliz para si, a menina resolveu “abandonar” os contos de fadas e mergulhar em pesquisas. Leu de tudo: filósofos, antropólogos, cientistas, sociólogos, filólogos... Em nenhum deles ela conseguiu encontrar uma resposta para suas ansiedades. Certa noite, exausta de tanto ler ela acabou adormecendo sobre os livros. Em seu sonho havia um grande salão, primorosamente decorado, repleto de distintos homens e damas tão bem vestidas e enfeitadas que pareciam sair de um de seus contos de fadas. Ela também estava lá e sentia-se observada por todos. Um misto de medo e vergonha fizeram suas bochechas rosarem.
-Por que todos me olham dessa forma? Será que estou mal vestida? Pensava a garota.
A menina caminhou pelo salão, buscando fugir dos olhares que lhe perseguiam onde quer que fosse. Em umas das mesas, ao lado do Buffet, conversavam dois rapazes, animadamente. Eles, ao perceberem sua aproximação levantaram-se, cordialmente, chamando-a pelo nome.
- Sofia! Dê-nos o prazer e a honra de sua companhia! Falaram os dois, arrastando a cadeira para que ela sentasse.
- Como eles sabem o meu nome? Pensou a menina atordoada.
Apesar de assustada a garota aceito o convite e sentou-se junto aos rapazes que se levantaram enquanto ela acomodava-se na cadeira ofertada.
- Pensei que não virias mais. Disse o rapaz sentado á sua direita.
Sem entender nada ela indagou:
_ Quem são vocês? Onde estou e por que todos me olham?
- Quem somos nós?! Retrucou o rapaz ainda mais surpreso do que ela.
- Somos seus amigos de larga data. Você nos conhece desde muito menina. Viemos aqui a seu convite. Todos foram convocados a comparecer sem falta.
- Eu os convidei? Pergunta a menina, espantada.
- De certa forma, sim, você nos convidou. Está vendo aquela mesa ao lado da nossa? Lá está Lewis Carrol, autor de “Alice no país das Maravilhas”, e Carlo Collodi responsável pela história do “Pinóquio”. Na outra mesa estão Charles Perrault com sua sobrinha Marie-Jeanne L'Héritier de Villando, conversando com Hans Christian Andersen. Lembra-se deles, não?
Na medida em que os homens iam apresentando os participantes da festa, a garota começava a entender o que acontecia...
Quase não acreditava, estava rodeada pelos autores de suas obras favoritas. Mas os autores não estavam sozinhos, eles traziam também suas personagens. Um cisne desfilava orgulhoso pelo salão ao lado de uma pequenina menina, seria a Polegarina com o Patinho feio? Pinóquio, esse ela teve certeza, tentava se esconder dos três porquinhos atrás das cortinas do salão. Alice tomava chá com o Chapeleiro Maluco. Enquanto Rapunzel tropeçava em suas tranças dançando com o Gato de Botas. Tudo estava se esclarecendo... Os personagens e seus criadores estavam reunidos em seu sonho. Mas, por que eu os convocaria, continuava a menina intrigada.
- Meu nome é Jacob e este é Wilhelm, meu irmão. Disse o rapaz sentado à sua esquerda.
- Vocês são os irmãos Grimm?! Estou sentada na mesa com os verdadeiros irmãos Grimm?! Exclamou a garota, embevecida.
- Sim. Responderam em coro os dois rapazes.
- Estamos aqui para que você conheça nossas personagens. Disse Jacob.
- As princesas? Essas eu conheço bem. Disse a menina sem titubear.
- Na verdade, esse evento foi organizado para que as princesas conhecessem você. Todas elas são grandes fãs sua. Explicou Wilhelm.
O que Sofia não sabia é que enquanto lia as personagens lhe observavam. Podiam sentir todas as emoções que Sofia sentia. Queriam dizer a ela o quanto a admiravam. Aos poucos as princesas foram cercando a menina e enchendo-a de perguntas:
- Como é perder um dente?
- Como você vive sem uma fada madrinha?
- Como é viver sem saber do próprio destino?
- Quem é o autor da sua história?
As perguntas feitas todas ao mesmo tempo foram deixando a menina sem saber o que responder primeiro.
-Não sou uma personagem. Perder um dente quando é de leite não dói nadinha. Na vida real, não temos fadas madrinhas. Até existem os que têm madrinhas, mas elas não possuem poderes mágicos. Respondeu a menina.
- Mas como você supera suas dificuldades, sem o auxilio de seres mágicos? Questiona uma das princesas, aflita.
Sofia não conseguia responder o que se referia ao destino e a superação de dificuldades, muito menos sobre quem seria o autor da sua história.
-Na vida real não seguimos roteiros nossa vida não tem “autoria”. O nosso destino não determina um final feliz para todos. Somos nós mesmos que o criamos, eu acho... Responde a garota titubeando.
-Nossa, queria ter essa coragem! Escolher cada passo da própria vida deve ser difícil. Afirmaram as princesas, em coro, admiradas.
Ao dizer isso Sofia deu-se conta do poder que tinha nas mãos. Era mais do que magia... Não havia feitiço igual. Ela podia construir sua história de vida, brincando com o destino conforme lhe agradasse. Isso nenhuma das princesas poderia fazer.
As princesas fizeram fila para pedirem autógrafos à garota. Ao terminar a primeira dedicatória a menina acordou.
Ainda sonolenta e atordoada, entendeu. Com ou sem castelo, com ou sem príncipe, com ou sem fadas madrinhas ela era a heroína de sua história. Dependia dela, e apenas dela, seu final feliz.
Muitos outros encontros festivos ela teve com as personagens de seus contos favoritos. Mas, dessa vez, ela soube responder todas as perguntas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Dê sua opinião.