quarta-feira, 4 de maio de 2011

AS IDEIAS LINGUÍSTICAS DO CÍRCULO DE BAKHTIN

Síntese da leitura do capítulo II Criação Ideológica e Dialogismo.
In: FARACO, C. A. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do Círculo de Bakhtin. Curitiba: Edições Criar, 2003. 

                                                                                                                                                               
O chamado Círculo de Bakhtin, grupo multidisciplinar formado por profissionais de diversas áreas, buscou contribuir para a construção de uma teoria de base marxista da criação ideológica. Dentro do grupo de pesquisadores destacam-se Voloshinov e Medvedev. Voloshinov dedicou-se à linguagem em basicamente dois pontos: uma discussão crítica dos estudos linguísticos de seu tempo, em especial na obra [1]Marxismo e filosofia da linguagem, e a apresentação da tese de que os enunciados artísticos e os enunciados do cotidiano possuem um chão comum O discurso na vida e o discurso na poesia e As fronteiras entre poética e linguística. Medvedev, por sua vez, direcionou seu olhar para a literatura, partindo de uma crítica minuciosa das idéias dos formalistas O método formal nos estudos literários.
Para que se possa compreender o desenvolvimento das teorias do Circulo de Bakhtin é fundamental que se observe a utilização do termo “ideologia”. Para os teóricos o termo “ideologia” é utilizado em geral para designar toda a produção humana como, por exemplo, a arte, a ciência, a filosofia, o direito, a religião, a ética, a política, ou seja, todas as manifestações superestruturais. Os termos ideologia, ideologias e ideológico não têm, portanto, na visão do Círculo de Bakhtin, nenhum sentido pejorativo como observamos comumente em algumas vertentes marxistas. O termo “ideológico” está ligado à percepção de que todo enunciado está emitindo uma posição de valoração ou avaliação. A tentativa de neutralidade já é por si só uma expressão valorativa.
Outra definição importante a ser considerada é a concepção de signo como produto das relações sociais. A manifestação ideológica é realizada pelos signos. Voloshinov, em Marxismo e filosofia da linguagem, conclui que “sem signos não existe ideologia” (p.9). Nossa visão da realidade é perpassada pelos signos que através de processos semióticos mediam nosso entendimento da realidade. A compreensão da relação entre ideologia e semiótica, estabelecida pelo Circulo, fundamentaliza a construção de sua teoria materialista para o estudo da produção humana, o fundamento da filosofia da cultura. Nossa visão da realidade é perpassada pelos signos que através de processos semióticos mediam nosso entendimento da realidade. Bakhtin, em O discurso no romance, afirma que: A relação do nosso dizer com as coisas (em sentido amplo do termo) nunca é direta, mas se dá sempre obliquamente; nossas palavras não tocam as coisas, mas penetram na camada de discursos sociais que recobrem as coisas. Essa palavra/ coisas, diz este autor, é complicada pela interação dialógica das várias inteligibilidades socioverbais que conceitualizam as coisas (p.277).
Um signo reflete e refrata o mundo, simultaneamente. Quando refletimos uma realidade exterior o fazemos de forma refratada, ou seja, não apenas descrevemos o mundo, mas o reconstruímos através da escolha dos signos que utilizaremos para sustentar nosso discurso. O material semiótico pode ser o mesmo, mas sua significação no ato social concreto de enunciação, dependendo da voz social em que está ancorado, será diferente. Isso faz da semiose humana uma realidade aberta e infinita (FARACO. p.51). Bakhtin nos apresenta a refração como um emaranhado de milhares de fios dialógicos tecidos pela consciência socioideológica em torno de cada objeto (FARACO, p. 54).  
Faraco resume que para Medvedev toda a produção ideológica é constituída por três “elementos”: o material – parte concreta e totalmente objetiva da realidade, o histórico – pode ser reduzido a processos fisiológicos e psicológicos de indivíduos isolados e sociolinguístico – se corporifica em signos, emergindo e significando nos complexos processos do intercâmbio social. Bakhtin, em O discurso no romance, apresenta uma percepção de linguagem como uma realidade axiologicamente saturada, um fenômeno sempre estratificado.
Heteroglossia dialogizada caracteriza a dinamicidade semiótica presente nos enunciados que permeiam a sociedade. Para Bakhtin, o foco não está nas variações de vozes, mas na interação delas. O plurilinguismo dialogizado nome dado as fronteiras existentes entre as vozes é o espaço do enunciado, as relações estabelecidas entre as vozes reformulam os enunciados e formam novas vozes. Toda a enunciação é uma resposta ao que já foi dito, sendo assim, pode afirmar, refratar, criticar, etc. formando uma espécie de diálogo. O dialogismo é apresentado em três dimensões: todo dizer não pode deixar de se orientar para o “já dito”, - todo dizer é orientado para a resposta, – todo dizer é internamente dialogizado: é heterogêneo, é uma articulação de inúmeras vozes.
O termo “polifonia” também necessita ser considerado como um espaço onde coexistem várias vozes equipolentes. Ao observar o carnaval, Bakhtin reconhece um poderoso instrumento contra qualquer monologização da existência humana; é ele que materializa a força cultural do riso: dessacraliza os discursos oficiais, subverte a ordem hierárquica.  Para o teórico o riso e o plurilinguismo são responsáveis pela descentralização e relativização da consciência humana e o romance é no romance que ele encontra sua expressão.    
 O ser humano constitui-se como sujeito por meio da linguagem. Um molho bem condimentado parece ser uma alegoria possível para a visão bakhtiniana da linguagem. Nada mergulhado em um molho temperado assimilará o sabor de apenas um condimento, da mesma forma nenhum sujeito absorve uma só voz social após ser submergido na linguagem.      


[1] A autoria da obra Marxismo e filosofia da linguagem é controversa, para alguns o texto é atribuído a Mikael Bakhtin. Faraco entende que por terem sido colegas de pesquisa durante tantos a confusão gerada em torno de suas produções seja justificável. Faraco assume para seus estudos que apenas as obras assumidamente Bakhtinianas serão atribuídas a M. Bakhtin.

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